Escritas

No seguimento do concurso que deu inicio no passado dia 09 de novembro com termo a 16 de novembro na categoria de conto, o Jornal da Literatura selecionou o conto "GRILO E O ESQUELETO" do autor Achel Tinoco para os seus leitores.
Joel Flor, Lisboa 12-11-12
Jornal da Literatura




GRILO E O ESQUELETO


Havia na roça do Corumbá um cemitério clandestino. Muitos esqueletos foram encontrados naquele sítio enterrados em covas rasas, num lugar de difícil acesso. Todos atribuídos ao velho coronel Ferreira e ao seu filho Silva. A investigação, feita pelo delegado Eduardo Félix — mais preocupado com os desmandos de um filho que fazia uso de drogas e vivia a fazer arruaças pela cidade, além de haver passado a perna numa viúva, subtraindo-lhe os bens —, não resultou em nada, e as confissões feitas por Mané Grilo, cabo de turma da fazenda Vila Ferreira, também foram irrelevantes.

— Aquele cabra tinha parte com o cabrunco, seu delegado! O sinhô não avalia as perversidade que ele fazia com nóis, principalmente adispois que fumava uma guimba que ele mesmo fazia com umas fôias seca deferente. Ficava com o zói vermei que nem brasa, parecendo que tava possuído pelo coisa ruim — disse-lhe, remoendo um talo de capim, muito compenetrado.
— O senhor está falando de quem, seu Grilo? — perguntou o delegado, sem dar importância ao relato.
Home quá, o sinhô num botou atento...
— Continue.
Isturdia nós fumo caçar na mata e ele fez um caboco cavar a própria serputura, só porque ele se negou a subir no pau pra arrancar umas carrapeta.
— O senhor fazia tudo o que ele mandava?
— Mas craro que sim! E eu era besta de ser enterrado vivo?
— Então o senhor também matou gente a mando dele? — indagou com perspicácia.
Valei-me Nossa Senhora, seu dotô! Por essa luz que me alumeia... — levantou o chapéu de palha aos céus — longe de eu fazer uma coisa dessa. Uma vez, eu mais o finado Josué, encontremo um home morto na mata. Era o cumpade Dito. Que Deus tenha ele em bom lugar! — benzeu-se. — Seu dotô, nunca vi nada mais horrive: os urubu já estava em cima da carniça. Tinha bicho saindo pela boca, pelo nariz, pelo zovido — descrevia o quadro detalhadamente a pedido do delegado Félix, com repugnância, cuspindo a todo instante para os lados. — Um fedor da peste, as ave pinicando os zói, a barriga aberta e as tripa pra fora — Até filosofou: — É, seu dotô, pra morrer basta tá vivo, né mesmo? Nóis vale muito pouco.
— O senhor fez o que com o corpo?
— Eu vortei na sede e avisei a Silva. Ele mandou nóis enterrar o cadave bem fundo, prumode os urubu não achar. Foi o que nóis fez.
— O senhor é capaz de nos mostrar o local exato da cova?
— Pois, sim. Eu acho que me alembro, fica lá em riba, na mata do Corumbá.
Tudo como foi descrito. Até uma caixinha de rapé foi desencavada junto com o esqueleto. A mesma que Dito ganhara no São João ao subir no pau de sebo. Mas o que mais prendeu a atenção do delegado foi a revelação de que Grilo travara uma luta pessoal com uma sucuíuba gigantesca, no rio da Formiga, desfazendo por completo a seriedade da entrevista.
— Como foi essa luta, seu Grilo? — quis saber o delegado.
— Era noite de lua cheia, seu dotô — começou ele a relatar os fatos —, eu tava intertido na beirada do rio, engastaiando uma piaba no anzó, quando ouvi um baque pesado dend`água. Ali joguei meu anzó, enterrei a ponta da vara no barranco e fui cortar um taco de fumo pra acender o cigarro e espantar as muriçoca. Numa puxada só, eu vi a vara envergar: trabae eu tive pra arrastar aquela traíra de cabelo da água, num deu menos de 18 quilo, era grande assim — afastou as mãos, uma da outra, para mostrar a medida exata. — Mas o dotô pensa que acabou? De jeito argum! Quando consegui acomodar a lapa de peixe na enfieira, ouvi outro baque na água, agora com toda força de uma suçuarana e pensei que pudesse ser uma se refrescando. Quando arribei o fifó pra espiar, cai pra trás: a cabeça da cobra não tinha mais tamanho; vinha farejando a traíra.
— Era grande, seu Grilo, a cobra?
Num era das maiores, devia ter uns 18 metro.
— O senhor correu? — perguntou o delegado com impaciência, já perdendo o ânimo.
Home, mais quá! Corri nada, me atraquei com ela dend’água e nós briguemo por mais de hora.
— O senhor matou a sucuíuba?
— Matar, eu não matei, não sinhô, mas arranquei o zói dela, que até hoje carrego no meu inborná, pra espantar mau-olhado — finalizou, seriamente, no seu linguajar roceiro.
— Eita porra! — suspirou o delegado perante olhares incrédulos e divertidos dos seus ajudantes. — Depois dessa, vou-me embora.
Os esqueletos se viraram na cova e ficaram por lá mesmo esquecidos.


(Achel Tinoco)

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